Conheci Fidel Castro no dia 01 de janeiro de 2003. Dentro do Palácio, centenas de autoridades enfiadas em seus ternos de gala. O comandante destoava dos chefes de estado, ostentando a velha farda de guerrilheiro. Nas ruas, enfrentando um sol escaldantes, quase um milhão de pessoas se aglomerava.
Eu não estava em Havana e muito menos avistava a Sierra Maestra. Mas o ambiente lembrava, mesmo que de raspão, algo do comunismo. Me acotevelava com dezenas de jornalistas num "chiqueirinho" montado para a imprensa no salão verde do Congresso Nacional, obra do comunista Oscar Niemeyer, amigo pessoal do comandante. Era posse de Lula, a chance da esquerda no Poder no maior país da América Latina. E o companheiro Fidel, é claro, não deixaria de comparecer.
Após a discurso de posse no Congresso Nacional, um Lula sorridente e eufórico desliza pelo tapete vermelho, de braços com Marisa Letícia, rumo ao Palácio do Planalto. Em seguida, a comitiva dos chefes de estado. Lá vem Menen, Hugo Chavez e, mais afastado, Fidel Castro.
Confesso que a passagem de Fidel, independente de minha concordância ou não com o regime ditatorial imposto por ele na Ilha de Cuba, incentivou meu lado subversivo.
Foi o que fiz. Levantei a fita do cercadinho da imprensa por cima da cabeça e me adiantei ao meio do tapete vermelho já pronto para levar uns safanões da segurança. Ladino, como só um manezinho da ilha pode ser, calculei a manobra milimetricamente. Ao irromper no tapete fiquei postado a um metro do líder cubano. Fui logo saudando:
_ Comandante!
Fidel foi com minha cara. Colocou a mão em meu ombro, o que afastou de imediato a meia dúzia de seguranças, me olhou nos olhos e perguntou:
_ Qué quieres, compañero?
Somente neste momento é que fui pensar o que lhe perguntaria. Na verdade, não havia pensado nisto antes. O pulo do cercadinho foi algo instintivo. O fato é que, nesse exato momento me deu um branco, daqueles que põe no chão a auto-estima de qualquer jornalista.
Mas foi justamente o chão que me salvou. Baixei a cabeça para sacar uma pergunta e percebi que Fidel não usava o velho coturno. Calçava um tenis preto, que parecia bem confortável. Foram cinco segundos, no máximo, até que eu levantasse e cabeça e dirigisse a Fidel um questionamento que, se feito em Havana, me traria sérios problemas.
_ Comandante, este seu tênis é Nike?
Fidel riu, colocou novamente a mão sobre meu ombro e iniciou novamente a caminhada, convidando-me para acompanhá-lo. Começou a falar do tênis, que era feito em Havana por um grupo de senhoras muito competentes, numa produção quase que artesanal. Aí emendou dizendo que a peça era um exemplo da resistência de Cuba ao embargo comercial norte-americano.
Nessa altura, o comandante já estava cercado de jornalistas que, obviamente, não deixariam de aproveitar a brecha aberta por Fidel. E, pacientemente, ele foi respondendo as perguntas, falou da importância da posse de Lula para a esquerda mundial, do que esperava do governo dele, malhou o pau nos Estados Unidos, elogiou Hugo Chavez...
Na porta de saída do Congresso os seguranças acabaram com a revolução da pena. Fidel seguiu rumo ao Planalto cercado pelos seguranças e pisando firme no tapete vermelho com o melhor tênis do mundo. Afinal, momentos antes, ao me responder sobre a qualidade do tênis, disse:
_ La garantía soy yo!
Não discuti, é claro.
Hora de ver quem são os democratas - Vera Magalhães
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*O Globo*
*Aqueles que devem seu sucesso eleitoral ao fato de terem sido ungidos por
Bolsonaro precisarão se decidir se seguem sob suas bênçãos *
Não é ...
Há 12 horas
Um comentário:
a ocasião faz o ladrão, achei genial.
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