quarta-feira, 24 de junho de 2009

Um retrato cruel do meu passado


Devo fazer parte da última geração de jornalistas que "baixou" jornal em laudas. Que catucou uma Olivetti em ritmo frenético na hora do "fechamento". Engoliu um cigarro atrás do outro, em plena redação, tentando garimpar uma última informação com o "dead line" apontado para o pescoço. Caçou a fonte pela cidade, pois o sujeito não estava em casa e nem no trabalho. Não era possível dar uma ligadinha para o celular.

Também tive o privilégio de viver a experiência da transição da máquina de escrever para o computador. De um dia para o outro ajudar um jornal diário a atravessar "essa ponte". De lá para cá vieram as homepages, os sites, os blogs, o twitter...

Comecei a escrever essa história em 1993, no jornal O Estado, de Santa Catarina. O nosso "Mais Antigo" me "formou". Deu aquele empurrão que o curso de Jornalismo da UFSC, sozinho, não conseguiu imprimir. Lembro que na época, estudante, costumava ser perseguido pelo sindicado já que trabalhava sem diploma, "exercia ilegalmente a profissão". Hoje, uma grande ironia.

Mas não consigo rir do presente de minha primeira escola de jornalismo. O Estado faliu há poucos anos, depois de mais de nove décadas de circulação e, nesta semana, recebo um retrato cruel do meu passado. A sede do prédio foi totalmente depredada, o arquivo fotográfico, testemunha da história catarinense, jogado ao chão, junto a ratos, baratas e infiltrações. O arquivo de jornais dilacerado sobre as cadeiras que sentei. Tudo de pernas para o ar. Agregado a cena, enxerguei o vulto abatido daquele menino encrenqueiro que durante cinco anos escreveu, lá, suas primeiras linhas.

Um crime dos responsáveis pela massa falida e uma negligência das autoridades, que parece que agora começam a se mexer após vídeo divulgado pelo jornal Biguaçu em Foco.

O escândalo provocou a revolta de muitos companheiros que construíram parte de sua história no "Mais Antigo". São várias as manifestações de indignação. Destaco o do camarada Celso Martins, um dos meus grandes incentivadores, responsável pela escolha do nome de meu filho, e um amigo que, pela distância, muito me faz falta. Acho que ele, eu sua sabedoria, soube, neste momento triste, homenagear todos os que por aqueles corredores passaram e hoje estão perplexos com a situação.

O velho "bigode" não aguentou, foi lá registrar o descaso (veja as fotos). Precisava confirmar se o vídeo não era de ficção. Deu de cara com uma triste realidade.

ps: Se não preservam a memória de O Estado, a minha será preservada. A partir de amanhã passarei a escrever algumas histórias vividas no "mais antigo" diário de Santa Catarina.
ps: Fotos de Celso Martins

Um comentário:

Cal Moreira disse...

Foi difícil acreditar, mesmo olhando as fotos. Um pedaço importante da minha história de vida tb está ali entre as ruínas, como se não fosse nada. Pode não ser pra eles, mas para nós ela irá resistir e resistir e passaremos a vida recontando-a, enchendo os olhos com nossos "causos" de alegria e saudade, muita saudade, que aperta o peito, dá nó no coração e a gente continua resistindo, resistindo e existindo até o fim. E a nossa história, essa ninguém tira de nós, vai ficar pra sempre guardada a sete chaves, assim como a gente faz com os amigos queridos.
bjs
cal moreira